16/12/2007

Alquimia


Dei-te rosas.
Dei-te ventos em procissão.
Dei-te a primavera:
A lâmpada, louca, cega;
Vela de contemplação.


Dei-te o mar.
Dei-te beija-amores.
Dei-te estrelas na tarde.
Dei-te riso, siso, fabuladores...


Dei-te especiarias:
ouro, prata, cristal, pedrarias.
Dei-te cada flor-metal em romaria.
E meu pranto quieto, inquieto,
transmutado em alquimia:


- Deitando-me!...




08/12/2007

Algodão doce




Tirarei o açúcar da boca
mas não para amargar a retina!

Tirarei, somente, o algodão doce
que me embriaga.

E, destilada,
corda bamba, cana, amarelinha.

Chove lá fora,
chuva, ali, fininha.


Chove no meu peito:
- Chora, aqui, a menininha!...



28/11/2007

Notícia de jornal



Procura-se, urgentemente,
uma imagem súbita
algo que possa ser notícia de jornal.

Uma fada fujona
aquela que se perdeu
nos atoleiros do Pantanal.

Procura-se um objeto
não-identificado: Submarino,
Ovni ou Cavalo Alado.

Um ser famigerado
preso no porão ou no sótão
empoleirado.

Procura-se por um Eu
alguém que saiu de casa
e do corpo se esqueceu...

Uma falsa promessa:
conto de fada
bruxa má
moça enfeitiçada
fé sem reza...

Procura-se qualquer coisa dessa,
quem souber localizar
por favor entregar:
rua do Lobo,
número Alvoroço,
bairro Descoberta!


Procura,
se...


27/11/2007

Sopa de letrinhas


No princípio,
o prato preferido
(eles sempre escolhiam)
era uma tal sopa de letrinhas.

Quase, sem perceber,
deixavam-na esfriar
por ficarem olhando, admirados,
aquelas letras coloridas e imersas
ao luar.

Com o sabor dos ventos
as consoantes foram dadas
por sumidas
e, as vogais, letras mortas,
estupidamente esquecidas.

A sopa de letrinhas
ficara sem pimenta,
ralinha...
Já não saciava a fome
dos que ansiavam
por uma bela e suculenta
coxa de galinha.

(Pobrezinha!...)

Aurora perdida



Dona Adelina Barbosa de Seixas, 53 anos, era uma professora um tanto quanto ortodoxa. Mesmo nos tempos onde já se sentiam os sopros do discurso construtivista e sócio-interacionista - e tantos outros “istas” -; a professora Delinha, como comumente era chamada pelos gracejadores daquela escolinha primária, mantivera-se firme aos seus preceitos normalistas.


É que em matéria de educação, a sala de aula nem sempre acompanha a evolução... e a professora por mais que se esforçasse – e ela o fazia mesmo! - acabava sempre deixando emergir atitudes contraditórias. Porém, ela enfatizava: - Faço tudo isso por amor! Até se aplicasse uma palmada - diga-se, psicologicamente, bem dada! - dizia a educadora, era um gesto de amor.


Às vezes justificava as atitudes intempestivas, argumentando que o mal da educação centrava-se na ausência de valores do educador para formar o bom cidadão. Então, lembrava-se nostalgicamente do ensino em épocas rompidas, vislumbrando paisagens embaçadas e descoloridas: crianças perfumadas e limpinhas, comportadas, bem encolhidinhas; distribuídas em filas estrategicamente pensadas e, no canto da sala, a professorinha tomando as lições, já então bem sabidas, dos exemplares meninos e meninas...


Ah..., suspirava a Dona Adelina, que saudade da aurora de minha vida então perdida!...


24/11/2007

Bem precioso


Não sabes,
meu caro bom moço,
quanto custa-me o esforço
do teu olhar me desviar.

Não sabes,
meu atroz charmoso,
do receio que tenho de ti
E da lua e do fogo e do ar...

Mas saiba,
meu bem precioso,
dentre as coisas
da terra, do sol e do mar
tu tens sido
o presente valoroso
que faz minha vista versejar!...

22/11/2007

Ausências, pontos e vírgulas



Imagino tantas coisas
quando em lua cheia:

Nas noites que sonhamos juntos
(tão próximos e tão longe...)

Nas vezes que invadi sua casta rotina
para ouvir uma voz engasgada,
medonha, polida;
Disseminada em ausências,
pontos e vírgulas.

No tremor das minhas mãos

Na minha inocência quase perdida

No anestésico badalar do meu coração

Nas minhas asas, então, partidas!...




07/11/2007

04/11/2007

Paráfrase


Houve um tempo em que a janela de seu quarto abria-se à leve brisa da noite e aos mistérios da vida. Em que estrelas incandescentes contavam-lhes histórias interminavelmente compridas. Em que nuvens formavam-se, no céu, desenhando páginas e mais páginas em gotas embevecidas. Houve um tempo em que ela escrevia longas cartas de amor. Em que recortava e colava figurinhas junto ao texto. Em que selava, tão dulcíssima e secretamente, sinceros sentimentos em tão precioso e esperado beijo. Houve um tempo em que flores eram lançadas ao mar; aviõezinhos à própria sorte; barcos à maré alta; sonhos perdidos, ao luar, em cinza mágica... Houve um tempo em que eclode a dor da espera, e o silêncio torna-se único pranto possível. Em que a dúvida tinge códigos vis em pergaminhos indeléveis, e só resta-lhe, enfim, saber-se sozinho. Houve um tempo em que o texto resumia-se à paráfrase: "beijos, abraços e declarações de amor".


Arte: Van Gogh

13/10/2007

Flor de cimento


— Coitada dela! Falava-lhe a voz da in-consciência.

Ela sentia-se vazia: sem cor, sem parede, sem teto e sem chão.
Faltava-lhe o ar comprimido... élan vital. Faltavam-lhe o pôr-do-sol, a primavera e a voracidade matinal. Faltavam-lhe o néctar da tarde e o solo frugal. Todas essas coisas in-sensatas que adoçam o peito de saudade...

— Coitada dela! Coitada dela!... O canto tenebroso da insistência insistia-lhe aos ouvidos.

Faltava-lhe o sexto sentido: o bruma da paixão, o pêndulo do esquecimento. Vale de larvas e flocos de prata se desdobrando em flor de cimento.

— Coitada dela, coitada dela...

Exposição fria, cruel, nua. Paisagem viva-morta n’alguma in-existente aquarela...

— Coitada dela!


09/10/2007

Normal-mente



É normal que eu tenha sonhos
que eu queira voar sem asa delta
que eu me despedace por amor
e mantenha portas sempre abertas.

É normal que eu faça juras secretas
que eu me esforce por ganhar
que eu vença o medo de perder
que eu cante:
madrugada até o entardecer!

É normal que eu chore:
des-con-so-la-da-mente

que eu ria
com-pul-si-va-mente

que eu grite
in-tem-pes-ti-va-mente

que eu ame
tão dul-cís-si-ma (mente)

É normal,
tão nor-mal-mente...

07/10/2007

Um poema oportuno



Você condenou os meus versos (a)
Chamou minha rima de pobre (b)
E a metáfora de sem nexo. (a)

Você me sugeriu velhos moldes (b)
Rimas cruzadas, encadeadas (c)
Em decassílabos nobres. (b)

Você me indicou a poesia ilustrada (c)
Achou meus poemas difusos, confusos (d)
E a minha poética vanguarda. (c)

Você me aconselhou um poema oportuno (d)
Como posso? Sou apenas um vagabundo (d)
Que pesca versos a nadar no novo mundo. (d)



FERNANDES, Hercília. In: Retrato de Helena, 2005. Ilustração: Custódio Jacinto.

26/09/2007

Indefinição

Não sei bem ainda quem sou.
Quando quero saber
tento ler os meus versos...

Mas nem sempre
eles me dizem muito.
Muito menos
o que quero!

Então recomeço
tudo de novo
(ou de velho)
No mesmo ponto
no ponto ZERO!


Imagem: Rosto de mulher em aquarela 42 x 30cm, 1998. Disponível em: www.xenia.com.br/gallery/aqua/aquarela15.htm

23/09/2007

Gatos & Gatos



Nos telhados gatos miam
Nos telhados gatos choram
Nos telhados gatos silenciam
Nos telhados gatos pastoram.

Gatos nos telhados
vigiam a noite.

Com olhos verdes, oblongos,
apuram fatos:
- os gatos!

Com unhas afiadas
apanham ratos:
- os gatos!

Noite adentro,
teatro ecumênico,
com gatos e gatos
e, mais gatos!

Com destreza saltam os gatos:
pretos e pardos e amarelos.

Gatos sempre elegantes,
sorrateiros, léxicos.

Vigilantes da noite,
gatos pastores:
pés-de-chinelo
nos telhados da vida
es-tra-tos-fé-ri-cos.



Arte: Marc Chagall



08/09/2007

Crendice


Me dê um gole do seu veneno
para eu me embriagar na taberna
para eu enganar a cobra cega
para eu me secar no sereno,
ou, na sua, quente, adega.

Me dê um gole do seu tédio
para eu poder - fingir - cantar vitória
para eu poder - perder - sair do sério
(e dar o fora...)
para eu ceder à sua honra
e à sua glória.

Me dê um gole de sua rotina
porque o Mal não me convence,
nem me contamina.
Nem a sua bebida letal
Nem a fadiga, a pasmaria, ou o caos
Nem a sua latente, devagar, retina.

Me dê um gole de sua tolice
para eu cruzar pontes, fundar diques.
Extrapolar normas, espantar crendices.
Para eu chover na fogueira
feito gente normal.
Para eu ficar à toa,
mansinha, naturalmente bela,
no mundo, perfeitamente, irreal.

Me dê só um gole...
Se não me fizer bem,
também, não lhe fará mal!

Entradas e Corredores



Hoje sonhei com você
Ou melhor,
sonhei que lhe procurava
entre entradas e corredores:
longos degraus,
e, portas sempre fechadas.

Seu nome... numa das portas
aparecia em letras garrafais
Mas mesmo lá...
Eu sabia: - não podia bater
muito menos entrar!

Hoje sonhei com você
cenas bem reais:

[fantasmas
nos corredores]

[espinhos
nos varais]

[cravos e flores
nos arvoredos]

[pássaros e insetos
nos portais]

Mas, você nem sabe...
o mal que isso me faz!




27/08/2007

Par de tamancos


Às vezes sinto um cansaço...
De que me valem tamanhos passos?

Eu só queria uma noite bem dormida:
Flores na varanda, rede estendida
Escalda pés, cara fresca, tarde limpa!

Eu só queria uma casa no campo:
(sem livros, discos ou estantes...)
Um cobertor de estrelas
Chinelos azuis verdejantes
E um bom par de tamancos!

Eu só queria...
um bom e velho par de tamancos!



26/08/2007

vai & vem


Por que você não me diz alguma coisa?
Por que só me fala em silêncio?
Por que você não me toma em seus braços?
E deixa para depois o arrependimento?


Por que você não me dá um sim?
Se nunca me deu um não?!
Por que você deixa sempre em aberto
as grades do silêncio e da prisão?


Por que você não diz que me ama?
Se seus olhos mal conseguem me ver?
Por que você não sucumbi à chama?
Se posso sentir:
sua dor, seu desprazer?!


Por que você não some de uma vez?
E me deixa entregue às velhas sombras?
Por que você vive sempre tão cortês?
E eu perdida no vai e vem das ondas?


Por que você não sai de mim?...


16/08/2007

Apetrechos



Reuni os meus apetrechos,
espalhei flores sobre a cama.

Penteei meus longos cabelos
joguei os pés, doídos, à santa.

Caí na calada da noite
cantei, dancei música cigana.

Colei retratos na janela
bebi álcool com laranja.

Depois subi pelas paredes:
(quase lhe pedindo...)
socorro, pano, lâmpada!

Mas você nada me disse
nem nada me fingiu dizer.
Nem mesmo me arriscou um palpite
sobre o meu jeito lânguida de ser.

É por isso que eu fico assim meio triste
(nesse disse me disse)
Esperando...
minhas coisas:

[cama (de flores)
[santa (de redenção)
[cigana (de amores)
[laranja (de odores)
[lâmpada (de contemplação)
[lânguida (de solidão)

- Você [me] recolher!


01/08/2007

Desejos infantis



A cada dia me torno mais estranha
A cada dia já não reconheço

minha face adormecida na amplidão.
A cada dia sinto-me menos fluída
A cada dia me nego, um pouco mais,

à contemplação.


A cada dia me desinteresso por coisas sensatas
E por coisas não-sérias também.
A cada dia apresento menos tolerância,
para não dizer: desdém!


A cada dia choro em meu silêncio
E clamo uma nova cor e idéia
Contrariamente, tarda-me chegar a primavera.
E, com ela, a luz e a chama de uma vela.


Assim, meus dias vão passando:
sem serenidade, dormência ou engano
Assim, meus dias vão perdurando
(Enquanto choro em meu silêncio)
Os meus desejos infantis e secretos planos.



31/07/2007

Pacotaria do amor


Se amor se vendesse...
Eu venderia amor em muitas caixas
Embrulharia cada uma
com metros de rima e, dentro, só fumaça
Para o amor se esparramar, no céu, em cinza mágica.

Se amor se vendesse...
Eu venderia amor tal qual perfume na loja
com data de fabricação bem descrita
mas o vencimento, data vã, indefinida
Posto não se saber, ao certo, a hora da chegada
nem quanto a dor da partida.

Se amor se vendesse...
Eu venderia amor em doses bem homeopáticas.
Capitalizaria cada gota de orvalho
faria da rosa seu marketing necessário
e, do beija-flor, um vendedor implacável:

- Quem dá mais? Quem dá mais? Quem dá mais?...
(Na Pacotaria do Amor, você compra o amor e leva de brinde uma flor, por apenas alguns, poucos e míseros, trocados!)

Se amor se vendesse...
Eu já estaria rica!



Texto também publicado no site www.artigos.com em 09/08/07.
Disponível: http://artigos.com/artigos/artes-e-literatura/pacotaria-do-amor-2049/artigo/



Imagem: Caixa de Presente de Bat Mitsvá com Coração
Sêfer. Disponível, à venda, no site:<
http://www.sefer.com.br/produtos.aspx?subid=35&subn=Diversos&ctgn=Artigos+Judaicos&ctg=1>.

06/07/2007

Fiel testemunho



Não preciso de muito...

Basta um olhar
Basta um sorriso
Basta um encontro:

a Lua e o Sol no altar
tendo, no mar, um fiel testemunho.

(Não preciso de muito!...)




24/06/2007

Solidez



minha alma não sabe o que é norma
minha alma não segue padrão
minha alma só sabe o que sente,
ardente, o coração.

mesmo assim eu fiz uma canção
para embalar minh'alma sozinha
ela ficou tão triste...
eu tive que retirá-la da caixinha.

a caixa parecia colorida
cheia de flores e laços e fitas
mas dentro parecia vazia...
de um certo ramo de rema de rima.

minha alma não sabe o que é lei
minha alma não conhece o Português
minha alma só vive as voltas
da vã censura e da fria solidez!...



07/06/2007

Essa coisa...



Que coisa seria essa?

(Essa?...)

Essa que me toma inteira e não me governa!
Me faltam palavras para descrevê-la...

(Então, melhor, talvez, não tê-la!)


Poderia ser a lua
Se branca, cheia, me levasse à rua.

Poderia ser pássaro encantado
Se, ao lado, figurasse colorido cenário.

Poderia ser a chuva
Se, nela, pousasse véu de brandura.

Poderia ser nota só
Se, notada, valesse um dó!

Poderia ser fogueira
Se, lenha, queimasse a ribanceira.

Poderia, poderia, poderia...

Há algo de urgência
Há algo de silêncio
( in-de-cên-cia )
Algo vão desmedido!

Poderia...

11/05/2007

No Ta-Tú


... tá no ar
... tá na vírgula
... tá na mão
... tá no padrão
Tá na rima, tá na língua.

... tá no descontrole
... tá no bota fora
... tá no beija-flor
... tá no meio-fio
Tá na rima, tá na língua.

... tá na Maria Mole
... tá no João Ninguém
... tá no Zé Não Sei das Quantas
... tá na roda
... tá na ciranda
Tá na rima, tá na língua.

... tá no boi morto
... tá no prato vazio
... tá no alvoroço
... tá em hora de almoço
... tá no frio
... tá no cio
Tá na rima, tá na língua.

... tá na moça que faz jogo
... tá na cara de quem Não-Comeu
... tá no discurso do Eu
... tá em quem tá vivo
... tá em quem já morreu
Tá na rima, tá na língua.

... tá no faz-de-conta
... tá na mentira
... tá na reinvenção
... tá no fogo cruzado
... tá no cavalo alado
... tá no mato
... tá no fato
Tá na rima, tá na língua.

... tá nos sonhos de menina
... tá na cantiga
... tá na densa floresta
... tá na reza
... tá em Quem Não Presta
... tá em Quem só Faz Promessa
... tá na reserva

... tá na...
Tá na rima, tá na língua.

... tá em quem não faz nada
... tá no desvario
... tá no passa vazio
... tá no apito do trem
... tá no chão ou no além
... tá Naquele que só diz: Amém!
Tá na rima, tá na língua.

Tá em Mim
Tá em Tu
Tá até...
no Negócio do Ta-tú!



09/05/2007

Casa-ninho


Sinto saudade!...
Vontade de reencontrar a casa-ninho
de me achar nos seus descompassos
de me perder nos altos e nos desatinos.


Sinto saudade...
(e, não é de se estranhar!)
Na casa havia um quê de conforto
Havia um aconchego sereno,
posto ser fogo.
Havia uma coisa de infantilidade no ar
Havia um mundo pequeno:
Tão meu, tão nosso, e tão devagar...


Havia qualquer coisa de poeta ou de poesia
De ciranda, esconde-esconde ou disritmia.
Havia segredo, unidade, ventania
Qualquer coisa que embriaga jovem e tarde silencia.


Posto que havia essa casa na colina
E, nela, um arco sagrado.
Um pássaro branco voando floresta ao lado

E um ninho de pérolas, por ela, todo laureado.



Imagem: Casa na colina por Joseph Matar
disponível em:
www.kfssystem.com.br/loubnan/fan3.html

10/04/2007

Mar vagabundo


Há um mar em mim.

Um mar de águas revoltas.

Nuvens pesadas circulam passageiras

Areias, em fileiras, atiram-me ao fundo

quase sempre certeiras.


Há um mar em mim

E eu tantas vezes nada entendi:

Da cor que me veste olhos d'agua

E do vento que me sopra à maré baixa.


Pois há um mar em mim

E eu não tive sequer escolhas

Não pude dizer (ao mar)

que parasse com esses cantos sombrios

Nem que me deixasse a não-mercê de tais desafios.


Por que esse mar é fora da lei

Não sabe o que é sorte, nem teme solidez

Tudo sente, nada sofre e me move à embriaguês.


Por que esse mar é poço sem fundo

Quanto mais arrasta, mais revira tão doce mundo

Secando-me as águas claras em tons cinza profundos.


Isso tudo porque esse mar é vagabundo...



29/03/2007

Passa vazio

Não sei o que acontece
Não sei por que essa vibração
Não sei por que esse passa vazio
Não sei por que chove, nem solidão.

E não adianta buscar respostas
É sempre a mesma chateação:
Passarinhada?...
Anda sempre acordada!
Na chuva, na mata e no ser-tão.

Não adianta saber certas coisas
(que coisas?)
Coisas que só enfraquecem o coração.
Não adianta pedir esmolas
A quem só tem ceroulas por vocação.

Não adianta quase nada...
(pois, saiba: sou nada filósofo!)
Por isso não me leve tão a sério:
Certo?
Beba-me...
(bem ao gosto, ao seu critério)
Mais...
Esqueça-me,
quando puder!



Imagem disponível em: www.ilusaodeotica.com

13/03/2007

Amor maior (aquarela)


Cantarei a esse amor
(sempre, quando)
Cantarei a ele, amor maior,
conspiração minha e desengano.


Cantarei nas tardes serenas
e nas águas turvas também.
Cantarei com extrema doçura
a esse amor que só vai e vem.


Cantarei se preciso for
para ninar a dor e o silêncio.
Não sufocar tamanho amor
nem a tarde e o firmamento.


Cantarei sem que mereças
ou, mesmo, que me peças.
Cantarei para que não esqueças
a lua, a chama e a promessa.


Mas calarei quando preciso
(sem choro, sem vela)
Fragmentos do meu riso
fina-flor-estampa na aquarela.




Imagem: Aquarela feita com papel molhado por Gabriela Seltz.
Disponível em: www.sab.org.br/med-terap/liga/aquarela2.htm



10/03/2007

E daí?

Esqueceram de mim...
Esqueceram de mim...
E daí?

Esqueceram de mim
E nem por isso rosas deixaram de desabrochar
Nem pássaros verdes perderam o canto
Nem percevejos os espantos.



Mas...
Esqueceram de mim!
E apesar dos não-escândalos
Eu ainda clamo certa dança profana
com àses e valetes dos falantes, mudos e surdos
bazares, paralelos, dos bons e maus subterfúgios.

Mais...
esqueceram de mim:
Madrugada!
E daí?!

03/03/2007

Tempo no tempo



Há tempo de plantar
Há tempo de colher
Há tempo de não-estar
Há tempo de escolher.

Há tempo para cantarolar uma canção?
Ou nada fazer e ficar na contramão?
Há tempo só de ouvir?
Ou fingir falar, absolutamente, nada e partir?

Há tempo nas coisas sérias...
E de pasmar também o tempo
com a boca cheia de moscas..

Há tempo nas quimeras
Nas saias justas das moças
n
os tempos de Cinderela.

Há tempo no tempo
E o tempo tudo diz num dado tempo:
- Isso é só um passatempo!
Há bastante tempo...

Diria um filósofo na tarde
mirando a bela paisagem
(que passagem!)
Em seu cobertor de estrelas opulento.

(Há bastante tempo...)

20/02/2007

Como d'antes



Sinto seu olhar vazio
No tempo, na sala, nesse curto espaço sombrio.

Sinto suas mãos paradas e semi-postas
Outrora perdidas e achadas em minhas voltas.

Sinto seu sorriso longe do meu
E a dor sufocar esse peito ainda seu.

Sinto sua voz me confessar
Os contratempos da seca, da neve ou do mar.

Sinto sua alma eqüidistante
E o corpo coberto por véu quase espumante.

Sinto cada passo seu flutuante
Como se os meus fossem secretos, ora obstantes.

Sinto! Nada me é mais importante:
Do que receber-lhe, aurora, como d'antes.


01/02/2007

Somente às vezes


Às vezes penso que sou ar,
outras, água.
Horas bem devagar
presa a terra, e sem asas,
me ponho a voar.

Às vezes não quero voltar
E finjo ser o que não sou
Por que é triste ser navegador
sem barco certo e vento a favor.




Às vezes sou apenas nada
e, sem nada, sigo o meu caminho.
Às vezes sou uma triste toada
perdida na mata, solada, do sozinho.

Às vezes sou chuva
E me enfeito com adereços de flor.
Mas também sou seca
E me sirvo de vã beleza

nascida da dor.

Às vezes sou interrogação
ou previsível e água-mole e vulcão.
Segredo, unidade, segregação:
Pavio curto e leite derramado
no bolso escancarado de um velho blusão.


Às vezes, somente, às vezes...


26/01/2007

Metros de chuva

arte: Boris, 1997.


Não posso dizer se a chuva passou

nem se lágrimas deixaram de brotar

em minha face então fria.


Nem se tempestades cessaram

seus cantos brios

nas noites cinza de ventania.


Não posso dizer se esqueci

tampouco se lembrarei.

Não posso dizer se sofri

porquanto se o amei.


Quisera ter a bússola do tempo

ou um paiol do teu alimento.

Quisera ter o discernimento

pra sustentar o meu riso

e o teu lamento.


Mas se chegaste ao meu domínio

trataria de recusar:

De que me vale tal envaidecimento

se meu barco segue sempre a vagar?...


Mas se fosse pro teu encantamento

eu rezaria até formar:

Uma tempestade de firmamento

com metros de chuva

à luz do meu riso e teu luar.



14/01/2007

No divã do Jô


Esses dias, não recordo exatamente quando, tive um sonho bastante hilário e ambicioso. Ao dormir, altas horas da madrugada, vislumbrei-me em um divã, cujo psicanalista se constituía a imagem transfigurada do Dr. Freud, o Jô Soares.

Imagine o leitor: o Jô Soares!

Digo que o sonho fora espirituoso, não por conter situações cômicas, trágicas ou patológicas – pois, de fato, sequer lembro as passagens... Mas, porque desde o ocorrido, trago o desejo atrevido de me sentar numa certa cadeira..., que a chamo, afetuosamente, de divã, e deixar-me embalar, aos apelos dos olhos e dos ouvidos, ao som inebriante do Sexteto, as peripécias do Jô analista e aos olhares atenciosos da platéia – nem mesmo o Alex escapa de tais devaneios...

Como sonhar não é pecado e, talvez, um dos únicos direitos assegurados de um ser, possuidor de talento especial ou não, passei a imaginar tal situação. Tentarei narrar, aqui, as loucuras que fomentam minha fronte desde então.

Bem... acredito que todos, de alguma forma, sonham em um dia experimentar aos sabores do Jô: artistas, intelectuais, profissionais liberais, cientistas normais ou anormais... Enfim, toda uma gama de ismos almeja um dia, ou, melhor, noite, ter a oportunidade de passar pela lente e/ou pente do Dr. Jô Soares, e expor os pensamentos, convicções, sentimentos...

No meu caso, várias questões me tomam a mente: O que teria a dizer em seu programa? Falaria o quê, para quê e para quem? Ou, melhor, qual das minhas personas deveria mostrar-se no enleio? A poeta, a professora-pedagoga, a pesquisadora?

Assisto ao seu programa de entrevista desde a época do “Jô Onze e Meia”, e percebo que os entrevistados debatem sobre diversas situações, porém, sempre as voltas de um tema específico que se entrecruza com outras realidades. Desse modo, qual especificidade poderia, eu, tratar em seu divã?

Antes, quero deixar claro ao leitor que minha intenção, aqui, não é fazer uma suposta promoção, nem também fazer deste maluco relato, motivo de espanto ou indignação - apesar de que, se o leitor assim o quiser, poderá rir do calor de minha exposição. Como falei anteriormente mesmo os dementes têm direito aos sonhos. E, quanto a mim, nos sonhos posso tudo! Inclusive ter o Jô Soares como psicanalista freudiano!

Mas, para não perder de vista o ânimo nem a entrevista, voltemos à narrativa!...

Bem, depois de muito refletir sobre a minha suposta especificidade, pensei o seguinte: Falaria, ao Jô, sobre “lirismo”. De como o lirismo age na minha vida pessoal, literária, profissional. O lirismo, basicamente, se constitui o ponto “G” da minha questão, o elo comum a tantas polivalências, e forma, em mim, uma sincronia e unicidade.

Todavia, surge propriamente a indagação: A quem interessaria tal enunciação? Penso que aos artesãos da alma; aos que ainda sentem, dentro, vibrar um coração. Porque lirismo é o avesso do tédio, da coisificação, da pasmaria, da redundância... Lirismo é reticência, é insubordinação.

Nesse caso, tal ilustração seria lustre aos que desejam uma mudança essencial na educação, como quisera Cecília Meireles (1901-1964) ao pronunciar uma “Lírica Pedagógica” às crianças, cuja obra poética infantil une, simultaneamente, natureza lúdica e pragmatismo.

Sendo o lirismo o motivo da consulta no Jô, contar-lhe-ia o meu envolvimento com a poesia, desde a formação da parceria com o músico e compositor Marcus Vinícius até esses dias. Recitar-lhe-ia versos em alta dosagem de expressividade. Falar-lhe-ia dos meus livros lançados sem editora, entretanto, com apoio cultural do SESC-RN. Falar-lhe-ia dos estudos oferecidos aos educadores da rede pública de ensino sobre poesia e imaginário infantil, e a relevância dessa linguagem e do desenvolver dessa faculdade às crianças e às práticas pedagógicas.

Contar-lhe-ia sobre a minha pesquisa: O Lirismo Pedagógico em Cecília Meireles, no Mestrado em Educação (PPGED-UFRN/Natal), que conta com a preciosa orientação do Prof. Dr. Antônio Basílio N. T. de Menezes. E, sobre o meu abraço à causa nobre da poeta-pedagoga: a de levar à educação e à ciência pedagógica:


"[...] um sopro sentimental, que a aproxime da vida quando apenas começa; desse lirismo que os homens, com o correr do tempo, ou perdem, ou escondem, cautelosos e envergonhados, como se o nosso destino não fosse o sermos humanos, mas práticos" (MEIRELES, 1984, p. 30)[1].


[Mais...]

Como considero a cadeira do Jô um divã, falar-lhe-ia também da minha timidez – acho que resultante do excesso de lirismo... Todavia, brincar-lhe-ia: Sou tímida, porém falante! Entretanto, depois de pedir-lhe licença, solicitaria ao maestro Osmar uma música envolvente - quem sabe lírica?... - a fim de afastar o nervoso da estréia. E, ao Alex, um daqueles exuberantes coquetéis de fruta.

Ao Jô Soares, por fim, agradeceria a oportunidade e contar-lhe-ia, passo a passo, esse devaneio; que, aliás, de hilário só o vislumbre da cadeira do Jô como peça idílica do consultório do Dr. Freud!

E você, leitor, já se imaginou em tal situação? Pense nisso...


Nota:


[1] MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Summus, 1984.


Indicações de leitura:


A Lírica pedagógica de Cecília Meireles em 'Ou isto ou aquilo' (1964): instrução e divertimento. Artigo publicado em www.artigos.com/ Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/a-lirica-pedagogica-de-cecilia-meireles-em-%93ou-isto-ou-aquilo%94-%281964%29:-instrucao-e-divertimento-2056/artigo/


O Lirismo Pedagógico em Cecília Meireles: “Quem fica no chão não sobe nos ares”. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/o-lirismo-pedagogico-em-cecilia-meireles:-%93quem-fica-no-chao-nao-sobe-nos-ares%94...-2821/artigo/


13/01/2007

Vento epistolar
















Foi-se o vento
Foi-se a alegoria
Foi-se o fragmento
Foi-se a pasmaria.

Foi-se o mar
A tempestade e seus vendavais
Foi-se o luar
A maré cheia e os óculos assaz.

Fez-se o adeus
(Sem medo, sem coragem)
Fez-se como Prometeu
À rocha da humanidade.

Foi-se, fez-se...

com água, a fronte
com fogo, o olhar
com terra, o lume:
O vento epistolar.

(Foi-se, fez-se...)



05/01/2007

Festa de uma nota só


O céu está azul
Tão azulzinho que sorri.
O céu parece florido...
Com rosas vermelhas no jardim.

O céu sorri
E borboletas cantam uma canção
Pássaros pousam alegres
Nas cores vibrantes do cordão:



La-ri-la-lô
entoa a borboleta em louvor.
La-ri-lo-lá
e o beija-flor, a rosa, no pomar.
Li-ri-la-la-lá
pássaro verde, arco-íris no mar.
Li-ri-lo-lo-lô
céu azul, jardim coberto de flor.

O céu está azul
Tão azulzinho que dá até dó...
De quem perdeu a festa
(Que festa?)
A festa de uma nota só!


04/01/2007

Marmelada


Há certos dias... em que tudo parece estar fora de lugar. Você olha em volta não enxerga nada, põe defeito em tudo (e em todos) e depois descobre que é você quem está fora de cenário.

Aí, você se pergunta: O que está acontecendo comigo? Por que esse desânimo, essa febre, essa dor a me sufocar o peito e a alma?

Então, sem muitas delongas e mais mais, você se dá conta de que é em vão tentar realizar algo. Não adianta ler, posto que nem mesmo as figurinhas dos autores irão lhe absorver. Não adianta fazer faxina na casa, visto que a vassoura, as flanelas, a bacia e a empregada já estão de mãos atadas, devido as suas mãos já tão calejadas. Não adianta ligar a TV, porque nem mesmo a novela irá lhe entreter. Não adianta também chorar, visto que suas lágrimas, de tão derramadas, já afundaram navios no mar e, até, aviões na praia.

Porém, em meio a toda essa confusão, você resiste e tenta, em vão, sair do ócio, da contramão. Tem a feliz idéia de ir para o fogão - quem sabe fazer alguma coisa gostosa, como aquela velha receita da vovó de torta - Mas é inútil! Posto que a massa - que grande palhaçada! - você não soube sequer dar o ponto. Quando a tira do forno percebe a marmelada, e se espanta com a sua cara nojenta de gosma destemperada.

Então, quando você já está a ponto de um curto-circuito, vê uma luz no fim do túnel e corre aos braços daquele fiel amigo. Ele todo atencioso, cheiroso, macio... lhe olha com aquela feição de ternura e pacificidade, e lhe diz:

- Encosta-se no meu ombro, doçura, hoje só lhe resta dormir!

02/01/2007

Peso e Medida

De repente...
Não mais que de repente...

(...) E só ficaram as vestes noturnas da saudade
E pousaram, sobre mim, as escuras asas da sobriedade.

Porque o verde virou cinza
(tenho visto, não há cor pior!)
E o azul glicerina
(tenho dito: a imagem deformou-se de tanta dó).

O olhar sereno, meigo, inocente
perdeu a cor, o ritmo, o tom
Dando lugar à dúvida, à luxúria...
Ao peso e a medida da razão.

E o olhar entristecido,
embevecido, no trajeto e no passo vazio,
rio estarrecido das cores cinzas do frio coração.

Assim, haja vista!

"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)