30/06/2009

continuidade


não há borboletas

nem giram sóis...


flores se apresentam sonolentas

quando cem guardas

quando vens nós.


prossegue a tua lida...




26/06/2009

À meia noite


Para acompanhar leitura: Back To Black
Amy Winehouse

Era tarde, muito tarde para retroceder. Ela sabia!... Nada do que lhe dissesse naquele momento far-lhe-ia algum sentido...
Consternada com a sua súbita reação, ela ringe os dentes e lhe interpõe uma fala silenciosa, cujos significados são postos ao acaso e grudam nas paredes como estampas envelhecidas em um retrato natural.

No móvel, imóvel, as imagens distorcidas de uma cena de natal: árvores pitorescas, sinônimos à mesa. Objetos e retalhos de uma vida real. Mas era tarde, realmente muito tarde. O relógio preso à sala de estar, antigo préstimo de família, anunciava-se pau sa da mente à meia-noite.

Talvez se não fosse pela insistência daquela humilde e pretensa sonoridade, podia-se dizer que a sala impregnava-se de a companhia nefasta de um agouro congruente ao cingir de seus dentes.

Eram os sons do silêncio, os sons das madrugadas mal-dormidas, das luzes intransigentes, das letras repartidas. Eram os sons dos vultos saltando os muros, dos saqueadores de tesouros escondidos no interior dos túmulos. Eram os sons dos vermes que vagam na noite com o tridente de Netuno.

Mas ela nada pôde fazer.

Não havia como enunciar simples palavra de conforto... A vela apagara-se há meia-noite, junto ao silenciar dos seus badalos e dos seus açoites.

Ela nada pôde dizer.

O candelabro ainda enfeita o centro, porém a chama na vela o vento soprara rompendo, sem mesmo a companhia de algum mimo ou acalento.

Ela nada pôde dizer. Ela nada pôde entrever.

Acompanhava-lhe o espírito o denso e grotesco rugido dos dentes estampido no ar; perdido no cais, no vácuo, no mar...

– Rs... Ela nada pôde fazer!


* Mini-conto extraído do livro: Agá-Efe: entre ruínas & quimeras (FERNANDES, Hercília: 2006, p. 75-76). Publicado no site Garganta da Serpente, na categoria Contos de Coral.
** Texto “revisitado” pela autora em 24 de junho de 2009 e publicado no Poema Dia.

23/06/2009

nietzschianas



Acham-me triste...

dizem haver certo pessimismo

em minhas curvas e linhas.

Mas desde que Nietzsche,

em mim, chorou

não há lágrimas em minha

...................escrivaninha

há dor transmutada em

beleza.




Poema postado n’ogatodaodete.

Imagem extraída do blog:

Fazendo a Diferença.


22/06/2009

alíneas

diálogo entre miudezas





a)....não sei quem és

sequer vi os olhos...

saberei quando as mãos,

grosso modo, me olharem

.........................revés.




b)....gosto dele

[sobretudo da língua]

mesmo quando não mel não rima

preciso de sua melhor poção

anímica...



Imagem extraída do blog Beijo Profundo.



21/06/2009

arquivo


Love is a losing game

Amy Winehouse



é jogo perdido


na fogueira

.......mergulhei as fotografias...



19/06/2009

quando apaixonada...


.....se lança ao mar

...........escreve longas cartas

...................se perfuma com sândalo

.....................calça revoada de tamancos

.................se mostra infantilizada

......alimenta bravio desejo



......veste, despe vermelho

.............................usa flor no cabelo

..............................dança dança do ventre

...............................é açúcar, tântalo, semente

............................se espalha, si- mula

.......dobras, coxas, queixo, nuca:

..................entredentes...


poema postado em

ogatodaodete



18/06/2009

técnico



Sem você

não há ouro nem pedraria

metais corroem ácidos, esmeralda

.................................................... ladainha

................................poema vira lata

..................beijuteria...



texto postado em

ogatodaodete



16/06/2009

Avalanche




Faz frio.

Rio lânguido cesto de vazio

avolumou, semântico, avalanche

em meu peito...





Poema publicado em

ogatodaodete



14/06/2009

trêsóis




Enquanto bebo cerveja...

olho as imagens postas sobre a mesa

penso no que poderia ter sido, no que poder-se-ia ser

se ainda há eu e você, se há uno em nós ou se fomos tão sós

que precisávamos de trêsóis para aquecer nossas

longas noites de inverno.


Enquanto bebo cerveja

esqueço que há outros entrelençóis...



13/06/2009

Amoras


Diálogo entre miudezas.


Eu te amo não basta...
Deseja-se gemido: másculo, nu
inteiro brasa.


meu bem amado
talvez seja pássaro
voe sem direção.

talvez,
peixe dourado
nada imensidão...

meu bem amado
é voo e naufrágio
amora

ver
ti
ca
li
z-a
ção
.
.
.


10/06/2009

Nove palavreados



[1] Há dias em que a força motriz é mortífera. Basta ver!...

[2] Basta ver o outro lado da ponte e calcular que nem sempre dois + dois são quatro.

[3] Às vezes, apresentam-se cinco, sete, nove palavreados... porque ímpares

[4] costumam vagar, desapercebidos, sobre o assoalho. Basta ver!...

[5] Não há somente o meu ser nem o ser você. Nem os nossos nós em solar caminho

[6] de chuva, de fronhas sem guardas nem lençóis... Basta ver!...

[7] Dois + dois não são quatro...

[8] Às vezes, consigo ler

[9] ...



09/06/2009

Aragem

soneto ao dia que morri...



Eu vi quando vibraram no roseiral (a)

e morreram no assalto da manhã. (b)
A fome e a sede na lida descomunal (a)
a chama crespa na soberba de Tupã. (b)

Eu vi as fendas na rosa e na avelã (b)
a fina bruma ascendente no pontal. (a)
Os bardos e as bestas em fórum letal (a)
as dores póstumas sem o amanhã. (b)

Eu vi a bandeira na praça cívica (c)
o sol nascer, se esconder no horizonte (d)
e o ferrugem no vermelho da maçã. (b)

Eu vi o choro encharcar o lume (d)
as luzes e as cinzas na tocha basílica (c)
e a vida uma aragem úmida e afã. (b)


07/06/2009

Aposta




Dei tudo de mim

a última gota de vida em certame

resta saber se, ao servi-la, fiz-me brame

ou...

........vazio em aumento.




"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)