30/04/2008

Pleito



Quem me recolhe as folhas negras e desbotadas
quando o vento insiste-me com os seus primeiros acordes marginais?

Quem me brota uma saudade inquieta no peito
e, no pleito, fécula levada me leva às margaridas e aos madrigais?

Quem me acolhe em seu ninho,
e, em moinhos, reserva-me às cochas e alcovas zonas escriturais?



Não sei...
Mas, ele bem sabe o que me apraz!...




Arte: Odilon Redon

28/04/2008

Folhas secas


A dor que me alimenta
Fabrica sonhos em arrecifes
Tabuleiros em escombros
Estranhezas em acomodações.


A dor que me condensa
Enfeita flores em folhas secas
Desemboca rios na imóvel aspereza:
Fanatismos, brios e tempestades.


A dor que me suprime
Viola a minha existência
Acorda a minha demência
E me faz humana-mente-humana

Só mais uma vez...



Arte: Van Gogh





22/04/2008

Broncos e Trocadilhos


Cala-te!

Não vês que falas e me olhas como um louco!?...

Deixa-me!

Não pintes a parede à moda rude e simplória de um mofo!

Acorda-te!

- O que quereria, eu, moço, contigo?!

Despeça-te!

Das promessas do ouro e suposto bem perdido!...

Ignora-me!

Não vês que estou a ponto de um homicídio?!

Acaba-te!

O cenário mal pronto, ronco, e tontos estampidos!...



[Depois de tudo isso...
caro amigo,
nem mesmo tu para atropelar os broncos e os trocadilhos!...]



E aja verbo ruído!...




Arte: Odilon Redon



20/04/2008

Cinderela


Vela!
Reza!
Zela pela Bela!...

Pela menina sufocada
nas garras da vil Fera...
Bruxa malvada
perdida no vale das Trevas!...


Vela!
Reza!
Zela pela Bela!...

Pela doce Cinderela
Princesinha violada,
pétala despetalada,
Na grade e na queda da janela!...

Vela!
Reza!
Zela pela Bela!...







Ciranda



Fui passear na roça
E, no roça-roça, enrosquei.

Fui saborear carambola
E, no embola-bola, cambaleei.

Fui capinar a lorota
E, no enrola-rola, desalinhei.





Fui dançar na roda
E, no tira-bota, cirandei.

Fui aquentar a caçarola
E, no rala-rola,
rodopiei...




inteirinha da silva!...




15/04/2008

Quiromancia



Tua palavra
nunca terei!

Toque de mãos
menos ainda...

Boca molhada e arredia
É desdém que me cala e não me sacia!...


...


Fogo brando, tântrico,
banho-maria

Paixão, tântalo, tirania
Um vilão que nada me alivia...

Mas deixa-me, na boca, um gosto estranho:

quiromancia...


13/04/2008

Engano

Ela enganara-se! Nada havia de âmbar em seu posto olhar. Nada de estrelas na tarde. Nada de fabulações... Era possível tal engano?

Sim, era! Uma voz polida e confidente lhe respondera sem piedade. E prosseguia sua análise:

Minha amiga..., às vezes nos enganamos, sobretudo quando enxergamos a realidade conforme as nossas indeléveis vontades!...

Sim... Ela murmurava.

Não chore..., minha boa amiga, sempre haverá flores no final da tarde, mesmo que, lá estejam, para enfeitar os espinhos e acomodar a fadiga!... Não chore...

Sim...

(Mas, ela se enganara!...)




Elegia



Haverá o dia em que não precisarei de mais nada
Todas as coisas me parecerão águas mansas, intactas.

Haverá o dia em que não precisarei mais de ti
nem de anjos, vilões ou querubins.

Haverá o dia em que serei apenas nuvem
E abrigar-me-ei no entardecer d’algum rio.

Haverá o dia em que somente passarinho
E o meu canto inundará em desfiladeiros mares bravios.


...

E todas as coisas me serão imensuráveis
Não mais ciência, promessa, filosofia...

Todas as coisas me serão improváveis
Como o calar na boca beirando maresia.

E não mais dor, pranto, suor, disritmia
Não mais a borboleta, nem a elegia...



12/04/2008

Cálice


Permita a palavra não-dita
E se espalhe pelo canteiro...


O olhar disfarçado, único, derradeiro
A profecia ainda não-cumprida.


Permita a fusão e a hora partida
E gotas de orvalho.


Permita o cálice descafeinado
E a verdade então mentida...


(Permita-me!...)




08/04/2008

Pastora da noite

Ela era pastora da noite. Pastorava cães, estrelas..., e há-via-dores!

Pastorava sem nada pastorear, pois nada sabia senão o ar!

Porém, - de umas luas para cá - a noturna dera, na moita, a espreitar: anjo sem asa, pulo sem gato, rosa sem altar...

E fica, ali, fiando o tempo: ondas no mar, tricô no firmamento.

Passarinhando o des-contentamento: pastora da noite velando o vento!

Pastora tanto, tanto... que soluça o santo opulento!

— Ave Maria, moço!
que vilão mais desatento!...




Arte: Marc Chagall


06/04/2008

Alto mar


Um mar
Uma montanha

Uma luz no horizonte

Céu âmbar

Fortaleza em alto mar.


Um homem
Uma mulher

Um cais sem porto

Estrela além-mar

Amor ainda tão moço...






05/04/2008

Madrugada


Hoje que o pranto
se quebrante à madrugada.

Que vele ardor
em carne morena, defumada.

Que chova suor
em tez sedenta e perfumada.

Que sendo o último
seja o primeiro na encruzilhada.

Hoje somente cânticos
em quartos vãos, serenatas.
Metros quânticos,
arvoredo, passarinhada.

Óculos escuros
brotoejas na cara.
Conversa comprida,
morta, rompida, encerrada.

Mais... nada!
Arte: Van Gogh

"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)