28/02/2009

Amor medonho


Não foi um sonho...
Havia mangueiras, goiabeiras, roseirais.
Açude, parede, casas na ribanceira
onde lençóis flutuavam
nos varais.

Não foi um sonho...
Havia um homem, uma mulher
arvoredos e cânticos de pardais.
Um amor medonho nas colinas, no lajedo,
nos postais.

Arte: Açude I

24/02/2009

Gota a gota


Sempre lhe imaginei longínquo
eqüidistante em átomos, nuvens, poções
foros lívidos.

Bebo-lhe gota a gota oblíquo
e trafego na boca o traço traslado:

albus de-sidus.


21/02/2009

Bruma



É natural que a ordem seja subvertida
Rios transbordavam abundância
quando a violenta maresia afundava brancos
tubarões na praia:
– rasa.

Agora, submarinos emergem
das profundezas
e uma soma considerável de coisas
se tropa na fina bruma
da floresta:
– humana.


explicação & advertência


Não almejes meu consentimento
raramente, ponho-me previsível.

Sinto afeição por nuvens, brumas
mares bravios

─ amor?
de vez em quando, socialmente!...


O Ministério da Saúde adverte...


20/02/2009

Rios


As folhas caem
enquanto a chuva derrama rios de lamento
foi-se o tempo, foi-se o rouxinol
e o seu coração é inverno
imerso em navio de saudade
quando bem longe...
é carnaval.




19/02/2009

Circunstanciais


Às vezes... interessa-me a poesia
noutras, o poeta

o poeta me interessa, às vezes
noutras, a poesia
às vezes, noutras
interesso-
-me

.
.
.


Explico!...
li isso n’algum sítio, porto, diviso, vagar
do autor nada sei, exceto do seu tremular...
não me importa se faz sol, chuva ou ventania
em Madagascar
se é preto, branco, trem-de-ferro ou se usa
almíscar
só sei que a palavra Dele...
cá estou...
a ferrear!


Arte: Marta Ferreiro

18/02/2009

Bilíngue

[e por falar em formigas...]


O que posso dizer...


se tuas palavras não-ditas
vestiram-me, bilíngue, rosa partida
entrelaçada em flor
de sisal?

se há na tua língua um tropel de formigas
onde levantei um broquel suicida
capaz de fundir
manancial?


O que posso dizer...


se todas as cores de Monet cegaram-me
a retina, traindo-me as narinas entre
surtos e silêncios
de Chagall?

se depois de vender-te flores, enfileirar
flamas em frascos de
silêncios assustadores
o resto me parece
completamente
banal?

mas...
por falar em formigas...



16/02/2009

Clarins (vendedor de flores IV)

Parte final da série.


Há uma ponte...
onde clamam clarins por idéias.
Uma chama que se sabe
verdejante, mas se esconde
atrás da hera.


Pântano (vendedor de flores III)



Eu não sabia que o verde
tamanho turvar-me-ia a vista.
Nem que as ninféias, banhadas em bando,
ser-me-iam expressivas.
As ninfas chamaram-me ao pântano,
retornei cítrica.


Flamboiã (vendedor de flores II)


Eu nada sabia
do canto flamejante nas flores...
Um flamboiã flamejou o meu peito
tornando-me chama, água límpida,
roseiral em cancioneiro.


15/02/2009

Vendedor de flores


Eu precisava oferecer
o melhor e o pior em mim:
uma soma de inutilidades
cuja maior utilidade
importa a quem embala
sonhos enquanto
sono coexistir.


Silêncio assustador III

Arte: Marc Chagall.


Nossas bocas, metros, elos
e não-palavras
parecem nos dizer única coisa:
há estranheza fundante
no silêncio...



Silêncio assustador II


Arte: Marc Chagall.


À noite,
enquanto a lua embelece estrelas,
os elos se tornam tangíveis
e uma constelação de coisas se imprime
no estranho veludo ocular.



13/02/2009

Silêncio assustador



Arte: Marc Chagall.


A noite aparece-me
tão assustadoramente
silenciosa
que gritam-me os sentidos
uma devassidão lunar
de coisas.


Sensitivo rio


A leve brisa da noite chegou-me sem pressa
afagando-me sensitivo: seios, lábios, braços
pernas...

Pluma!
Leve brisa da noite me leva:
a um povoamento de sensações
a um rio de ânsias e desejos
à tomada da consciência emocional.

Nada mais natural,
entrever possibilidades no deserto...


Arte disponível no Google Imagens.


12/02/2009

Abandono

(diálogo entre "miúdos" escritos em períodos distintos)


Toxina

A lança sabe ser fagueira
cumpre seu destino abrasador.

Sabe quando fraqueja...
e remonta o plano de plana(r)-dor.

A lança sabe da toxina na ponta de sua língua:

caí!
.
.
.



Abano

Às vezes é preciso abandonar idéias
para não abanar maleficências...

domei as palavras pelas rédeas
.......................................evaporei!...


Arte: Modigliani


11/02/2009

Cordas de correspondência (releitura)

Para todos os leitores e poetas que por essas águas repousam os olhos.

Arte: Fá Duarte

nessas cordas de correspondência
fervilha formalidade em padrões de literariedade
seja de ruptura ou de tradição
desde que não se reprimam possibilidades
e se afirmem ditaduras com normas obscuras
de uma entulhada convenção

o que se busca é a existência da palavra
com letras alvas / obtusas ou à bastão
na voz do lírico / do filósofo / do telúrico /
do profeta ou do pagão

pois que venham os aluísios / os machados / os fabrícios
e os freis da santa rita durão
os simbolistas com chumaços de fumaça / de sumos /
de uma amálgama ou dulcíssima digestão


os modernistas / os regionalistas / com seus travos e desagravos
nas espingardas / nas alpargatas da Revolução
e os neoconcretistas com ausência de verso / de metro
e anuência de berro de significação

pois que nessas cordas de correspondência...
só se nega a linearidade
da opressão!


Ler mais
Cordas de correspondência: intersubjetividade poética entre Fernando Cisco Zappa e Hercília Fernandes, no blog Novidades & Velharias.

09/02/2009

Trem bão!...




Férreo e tráfico trapézio
em
ritmo
em
cor
em
sombra
e luz
em
mérito
em
desvalor
em
escassez
e abundância
humana


Texto escrito a partir da leitura de Os dias dão o que palavrar... de Fernando Cisco Zappa.

Recesso


Meu peito está em recesso.
Aberto à contemplação dos motivos
que antecedem as mãos no verbo.
Nada há de polêmico, comprimido, ascético
apenas fumaça, poeira, vastidão...


Imagem disponível no Google.


O outro que há em mim: H.F. EM OUTROS ESPELHOS


Arte: Gustav Klimt.


Poetas se apaixonam...
Nada há de estranho nisso!

Aconteceu com o Pessoa, a Flor Bela, o Vinícius...
- Que dirá, pobre mortal, consigo?!

Poetas se apaixonam...
A palavra desce quente garganta ao umbigo.

E a estranheza?
[cá entre nós...]
também faz parte do ofício!...

(FERNANDES, in: Estranheza, 04 nov. 2008).


06/02/2009

Ponho


Estive aromática...
exalando cítricos e gomos pelas nádegas.

Gotas de orvalho molharam-me os lábios
e uma selvageria tomou conta de mim.

Simples assim...
................ponho!



Arte: disponível no Google Imagens.


04/02/2009

Balanço


Enquanto minha alma livre, leve, fluída passeava...
O verde esmeralda nos seus olhos me sorvia e guardava.
E havia tantos viços e tantos risos e tantos sisos de uma infantilidade acordada.
Serenidade nos modos de uma tempestade de metros na tépida madrugada.
Sinais de uma inocência tardia, de uma imortalidade albina e reflexionada.
E de chuvas de vento de um febril lamento em brejo d’água.


02/02/2009

Calvário

(Parto III)


Entre flores, bombons, fuxicos...
fecha-se o círculo:


do
Greenwich à linha do Equador
cal

rio
!


Arte: Gustav Klimt


Estraga prazer:
(Contextualização que ninguém pediu...)

Fuxico é uma trouxinha artesanal de tecido confeccionada por bordadeiras “mulheres” que, a priori, se reuniam nas cidades do interior nordestino para costurar e, simultaneamente, fazer “mexericos”. Hoje, o fuxico tem sido fabricado em grande escala em todo o Brasil, tornando-se adereço no vestuário feminino e em objetos ornamentais.


Pouco amor

(Parto II)


Acharam pouco as dores do parto...
inventaram-me o amor!



Arte: Gustav Klimt.


01/02/2009

Parto


ando tanto quanto distraída
pasmando à sombra de oiticica
a ponto de vomitar!...


Arte: Gustav Klimt


Pedra de civilidade

À Mirze Souza



Disseram que eu era rainha,
dona da procriação e alheia vida.
Que era tentação e profanidade
e, do jardim, merecia ser banida.

Disseram que eu era divinidade,
guardiã da pureza e sabedoria.
Portadora natural de ingenuidade
e, nela, deveria ser mantida.

Disseram que eu era frágil, cativa
Que em mim havia altivez, não desmedida!
Senhora de louvor e única possibilidade
placidez e promessa de felicidade.

Disseram que eu era notória ativista,
o verso avesso da prosperidade.
Tendo a candura como meio e propriedade
deveria ser-me investida.

Disseram que eu era vã e fingida
sendo má, ter-me-ia a face cuspida.
Depois de se velar por minha sobriedade,
ter-se-ia minha alma garantida.

Disseram que eu era um ser de sensibilidade
sendo passional, facilmente iludida.
Que eu era diamante em pedra de civilidade
Pois que se cumpra, então, a sina!...



Arte: Imagens extraídas do Google / Montagem: Hercília Fernandes.


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)