30/08/2008

Sinais do vento

Arte: Van Gogh


O interessante de tudo é que não houve contudos...
Aceitaram, enfim, a fatalidade na lei da gravidade e os sinais de alerta no trânsito. O interessante de tudo é que tinha de ser assim...
Havia de haver um ponto final às vírgulas embriagadas na comprida estrada.
- Então, por que a saudade?
Porque permanecem os sonhos e os naufrágios. Gotas de orvalho decorando cartas de amor.
O relógio em descompasso mapeando a geografia do corpo quando se perde a primeira hora no café da manhã.
Porque pulsa e toma força estranha: reclama, arranha e desembocam rios na aspereza e na esterilidade.
Porque se percebe, no abismo, um lugar habitável e não há como transpor extremidades no curso natural do vento.
Isso tudo é interessante e requer sofia.
Não para oferecer explicações às indeléveis expedições humanas na enciclopédia do tempo.
Mas para acalmar a ventania que assola as noites de tempestade...


29/08/2008

Orvalho (Etimologia poética)

diálogo entre textos.


Favor não me chamar:
ervilha
lentilha
milha
qualquer coisa terminada em ilha!

Gosto das mil miudezas...
Aprecio deveras poesia-ilha
Porém, my name is

Hercília!

Me chame orvalho.
Lágrimas aquecem o tom matinal
dispersam tempestades após labores e silêncios.

Me chame firmamento
Jardim em flor desbravando litoral
Rósea cor, purpurina, a-normal
Mas, favor não me chamar

ervilha
lentilha
milha
qualquer terminação em ilha

Meu nome é orvalho
natural-mente
Hercília!


By Hercília Fernandes



Hercília, doce-mente Cecília:


teu nome advém da etimologia poética:
gotas de verso que umedecem os lábios sufocados
pela necessidade de dizer, só-mente cantar,
versejar/velejar nos mares sem cais - não mais –
companheira de Cecília, a vidente cega
(como todos os poetas/profetas)
que iluminam nosso cotidiano, inteira-mente,
e sempre verdadeira-mente.


By Reinério Simões


(In: Comentário ao poema Normal-mente. Disponível em: http://fernandeshercilia.blogspot.com/2007/10/normal-mente.html)

25/08/2008

Folhetim


Não sei por que vem
Nem o porquê do porvir


Quisera não ir...

Apenas permitir a parada, não-parada, d’algum passo
Perdição no tempo e no tracejado d’alguma aquarela...


Quisera não mais ela...
anterior, secular, férrea


Folhetim n’algum
[encardido]
botequim


Celeiro do desvario
inoperância do vento.



24/08/2008

Rapunzel


Ela falava. Falava muito.
[Poucos ouviam-na...]


E gritava. Gritava pranto sereno:


Alfabeto dos mudos
Rio de sombra e luz
em mares profundos.


Ela soluçava. Soluçava infortúnios.


Gira o carrossel
Joga as tranças de Rapunzel
E cai seu castelo de sonhos.


***


Ela era tão sozinha...
[pobrezinha!...]


Cadê o seu príncipe encarnado?
Seu disco voador,
e o seu cavalo "ao lado"?...


Cadê o vilão charmoso
que vela, em silêncio,
o som do seu eco
no pasto?



Ela era tão sozinha...
pobre alma menininha!...


19/08/2008

Candura


Siga o seu caminho, amor
E dispersa-me por entre as curvas...


Siga, sem levar-me ao Lácio:
na medida, no fáustico, ou na serena chuva.


Siga o seu caminho, amor
Já remoemos, lentos, a pena(s) duras.


Siga o seu caminho, amor
E, se possível for,
leve-me, apenas, um gesto de candura...



18/08/2008

Opulência



O ar é denso
como tensos seus modos opulentos.



O ar é eqüidistante
à soma de lágrimas a-temporais.

O ar é fulminante
desvitaliza muros, vare varais.

O ar nada me apraz...
quebra tudo e, contudo, a tudo me atrai.



O ar é denso
como tensos são seus olhos in compênios...



Arte: Giuseppe Dangelico

16/08/2008

Manifesto não-comunista



Os trabalhadores se rebelaram...
Assinam as cartas de alforria.

Os trabalhadores rejeitam autoridades:
– Abaixo feudo, papal, burguesia!...

Os trabalhadores sabem ler ideologias...
E somam dois mais dois
[= cinco!]
E das sobras re-tiram conclusões...

Os trabalhadores enxergam divisões...
Sabem currículos ocultos.

Não escutam loucos falantes
Entendem os sinais do vento
Decifram a língua dos mudos!

Os trabalhadores sabem de si!...


10/08/2008

Quisera...



Quisera poder voar
linhas brancas e límpidas.


A alma não-prisioneira,
habitavel-mente cândida
e ínfima.


Quisera...

simplesmente, não-ser!...



09/08/2008

Decifrando códigos



Estou muda porque nutrindo silêncios...
Por que doem: laringe e vísceras,
os acontecimentos.

Estou decifrando códigos.
Tentando compreender o que é imutável e perecível.

O que é móvel.

O que abre caminhos caminhando
O que comanda a natureza civil-humana
O que renova, de ar, os pulmões
O que refrigera passaredo e ebulições.

Estou em silêncio!...

Para não mudar segundo o sabor dos ventos
Para ser coerente com alguma coisa ou idéia
que valha a pena: o sonho.
Para não ser um peso nem cão em abandono
Para conter foros de verdade, não estrondos.

Por essas e outras coisas...
.............................................cortei-me a língua!


Arte: Gustav Klimt


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)