13/10/2007

Flor de cimento


— Coitada dela! Falava-lhe a voz da in-consciência.

Ela sentia-se vazia: sem cor, sem parede, sem teto e sem chão.
Faltava-lhe o ar comprimido... élan vital. Faltavam-lhe o pôr-do-sol, a primavera e a voracidade matinal. Faltavam-lhe o néctar da tarde e o solo frugal. Todas essas coisas in-sensatas que adoçam o peito de saudade...

— Coitada dela! Coitada dela!... O canto tenebroso da insistência insistia-lhe aos ouvidos.

Faltava-lhe o sexto sentido: o bruma da paixão, o pêndulo do esquecimento. Vale de larvas e flocos de prata se desdobrando em flor de cimento.

— Coitada dela, coitada dela...

Exposição fria, cruel, nua. Paisagem viva-morta n’alguma in-existente aquarela...

— Coitada dela!


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)