28/11/2007

Notícia de jornal



Procura-se, urgentemente,
uma imagem súbita
algo que possa ser notícia de jornal.

Uma fada fujona
aquela que se perdeu
nos atoleiros do Pantanal.

Procura-se um objeto
não-identificado: Submarino,
Ovni ou Cavalo Alado.

Um ser famigerado
preso no porão ou no sótão
empoleirado.

Procura-se por um Eu
alguém que saiu de casa
e do corpo se esqueceu...

Uma falsa promessa:
conto de fada
bruxa má
moça enfeitiçada
fé sem reza...

Procura-se qualquer coisa dessa,
quem souber localizar
por favor entregar:
rua do Lobo,
número Alvoroço,
bairro Descoberta!


Procura,
se...


27/11/2007

Sopa de letrinhas


No princípio,
o prato preferido
(eles sempre escolhiam)
era uma tal sopa de letrinhas.

Quase, sem perceber,
deixavam-na esfriar
por ficarem olhando, admirados,
aquelas letras coloridas e imersas
ao luar.

Com o sabor dos ventos
as consoantes foram dadas
por sumidas
e, as vogais, letras mortas,
estupidamente esquecidas.

A sopa de letrinhas
ficara sem pimenta,
ralinha...
Já não saciava a fome
dos que ansiavam
por uma bela e suculenta
coxa de galinha.

(Pobrezinha!...)

Aurora perdida



Dona Adelina Barbosa de Seixas, 53 anos, era uma professora um tanto quanto ortodoxa. Mesmo nos tempos onde já se sentiam os sopros do discurso construtivista e sócio-interacionista - e tantos outros “istas” -; a professora Delinha, como comumente era chamada pelos gracejadores daquela escolinha primária, mantivera-se firme aos seus preceitos normalistas.


É que em matéria de educação, a sala de aula nem sempre acompanha a evolução... e a professora por mais que se esforçasse – e ela o fazia mesmo! - acabava sempre deixando emergir atitudes contraditórias. Porém, ela enfatizava: - Faço tudo isso por amor! Até se aplicasse uma palmada - diga-se, psicologicamente, bem dada! - dizia a educadora, era um gesto de amor.


Às vezes justificava as atitudes intempestivas, argumentando que o mal da educação centrava-se na ausência de valores do educador para formar o bom cidadão. Então, lembrava-se nostalgicamente do ensino em épocas rompidas, vislumbrando paisagens embaçadas e descoloridas: crianças perfumadas e limpinhas, comportadas, bem encolhidinhas; distribuídas em filas estrategicamente pensadas e, no canto da sala, a professorinha tomando as lições, já então bem sabidas, dos exemplares meninos e meninas...


Ah..., suspirava a Dona Adelina, que saudade da aurora de minha vida então perdida!...


24/11/2007

Bem precioso


Não sabes,
meu caro bom moço,
quanto custa-me o esforço
do teu olhar me desviar.

Não sabes,
meu atroz charmoso,
do receio que tenho de ti
E da lua e do fogo e do ar...

Mas saiba,
meu bem precioso,
dentre as coisas
da terra, do sol e do mar
tu tens sido
o presente valoroso
que faz minha vista versejar!...

22/11/2007

Ausências, pontos e vírgulas



Imagino tantas coisas
quando em lua cheia:

Nas noites que sonhamos juntos
(tão próximos e tão longe...)

Nas vezes que invadi sua casta rotina
para ouvir uma voz engasgada,
medonha, polida;
Disseminada em ausências,
pontos e vírgulas.

No tremor das minhas mãos

Na minha inocência quase perdida

No anestésico badalar do meu coração

Nas minhas asas, então, partidas!...




07/11/2007

04/11/2007

Paráfrase


Houve um tempo em que a janela de seu quarto abria-se à leve brisa da noite e aos mistérios da vida. Em que estrelas incandescentes contavam-lhes histórias interminavelmente compridas. Em que nuvens formavam-se, no céu, desenhando páginas e mais páginas em gotas embevecidas. Houve um tempo em que ela escrevia longas cartas de amor. Em que recortava e colava figurinhas junto ao texto. Em que selava, tão dulcíssima e secretamente, sinceros sentimentos em tão precioso e esperado beijo. Houve um tempo em que flores eram lançadas ao mar; aviõezinhos à própria sorte; barcos à maré alta; sonhos perdidos, ao luar, em cinza mágica... Houve um tempo em que eclode a dor da espera, e o silêncio torna-se único pranto possível. Em que a dúvida tinge códigos vis em pergaminhos indeléveis, e só resta-lhe, enfim, saber-se sozinho. Houve um tempo em que o texto resumia-se à paráfrase: "beijos, abraços e declarações de amor".


Arte: Van Gogh

"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)