04/11/2007

Paráfrase


Houve um tempo em que a janela de seu quarto abria-se à leve brisa da noite e aos mistérios da vida. Em que estrelas incandescentes contavam-lhes histórias interminavelmente compridas. Em que nuvens formavam-se, no céu, desenhando páginas e mais páginas em gotas embevecidas. Houve um tempo em que ela escrevia longas cartas de amor. Em que recortava e colava figurinhas junto ao texto. Em que selava, tão dulcíssima e secretamente, sinceros sentimentos em tão precioso e esperado beijo. Houve um tempo em que flores eram lançadas ao mar; aviõezinhos à própria sorte; barcos à maré alta; sonhos perdidos, ao luar, em cinza mágica... Houve um tempo em que eclode a dor da espera, e o silêncio torna-se único pranto possível. Em que a dúvida tinge códigos vis em pergaminhos indeléveis, e só resta-lhe, enfim, saber-se sozinho. Houve um tempo em que o texto resumia-se à paráfrase: "beijos, abraços e declarações de amor".


Arte: Van Gogh

"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)