29/09/2008

Providência



Busco-te...

como quem prende âncora ao mar
como quem cai abismo sem fim
como quem peleja a vagar.

sabendo que é trabalho sem termo:
se me vens,
contemplo, apavoro, esmoreço.

porque meu olhar se perdeu no horizonte
E a cegueira, se providência,

é límpida, é monte.


Busco-te...
para me silenciar.



Arte: Salvador Dali.


21/09/2008

Ordem dos adereços


O artesão se esforça...

cola, versa, contorna
a cor, na véspera,
da rosa na corda

só mais uma,

outra
nova
velha

vez!


Todo dia,
velho, árduo, artifício:
A colcha de ontem não embala o amanhã,
requer método de ofício!


A ordem dos adereços é sempre o porvir
[fatídico manejo!]
Desmontar o velho e deixar o novo sobrevir.



O artesão se esforça...

cola, versa, contorna
a cor, na véspera,
da rosa na corda

só mais uma,

outra
nova
velha

vez!



11/09/2008

Busca


O que busco, parece-me, não está aqui...

Não está nas sedas, jóias, cortesias...
[pobres e utensílios domésticos!]

Não está nas rosas, róseas,
Ou nas pálidas borboletas de jardins.

Nem nas várias honrarias e poucos méritos...


_________________________________________________________


Está em certa cor e vibratilidade
n’alguma incerta promessa...

Possibilidade concreta
[não-pertencimento]
de coisa que não se vende, nem se acha!

Isso, parece-me, é [ser] muito
Isso, parece-me, improvável
[de graça!]
tanto quanto inoportuno.


06/09/2008

Perto demais




Eles não se pertenciam. Havia um filme e um tema de amor: Closer and The Blower’s Daughter.

Assim como na tela do cinema, onde seres autômatos caminham anônimos pelas ruas da cidade, eles se estranhavam e buscavam abrir caminhos caminhando...

Na distração do cenário: uma batida, um freio no tempo, um sobressalto. Eles se reconheceram.

- Oi, estranho! Disse-lhe ela.

Ele nada respondeu, apenas sorriu. E, no seu sorriso, o descontentamento tornou-se riso e o siso vestiu-se de beleza.

Olhos verdes-azuis. Todo o céu sorriu-lhe.
A cinza paisagem tornou-se fértil aragem, a alma já não lhe doía em pranto silenciosa, nem os pés doridos incomodavam-lhe os passos: seus tamancos verdejaram-se.

Ele a amou a primeira vista. Isso é certo! Porém, não soube vislumbrar a sua verdadeira face. Não compreendeu a natureza de sua poética:

- Por tão bela, tão etérea tal qual a filha do sopro na primavera, qual o nome dela?... Ele se inquietava.

Meio dia. Uma, duas, três... perto demais!. Dezesseis horas... A canção embalava os amantes, oferecia asas à imaginação e vestia a história até então não-dita.

Eles não se pertenciam...
Havia um filme e um tema de amor:

Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?

I can't take my eyes off of you…



Sugestão de vídeo: The Blower’s Daughter (by Damien Rice). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=UHPTHP4dihA



05/09/2008

Dança vândala



Quando me tomas
Faze-me chama
Dança vândala, odor, movimento.


Quando me tocas
Faze-me escrava
Falácia calada, pudor, atrevimento.


Quando me deixas
Faze-me lástima
Lágrima vácua, dor, rompimento.



Arte: Marc Chagall


04/09/2008

Cascata


Arte: João Werner.


Há um travo na garganta
e um travão nos olhos.


Um metro de lâmina
e uma granula de ópio.


Há uma palavra não-dita
e um silêncio gritante.


Uma ponte escondida
e um chinelo azul verdejante.


Há uma roda viva
e um mar morto


Uma verdade esculpida
e um cavalo solto.


Há coisas para serem ditas
umas - outras – melhoradas...


Uma lágrima fingida
um riacho cheio d'alma:

sebo
nervo
alheio

em cascata.




**Agradecimento:

Agradeço ao artista plástico
João Werner que, gentilmente, publicou o poema Cascata em seu site como documentação de sua bela aquarela "Na Beira do Rio".

Disponível em:

http://www.joaowerner.com.br/images/morte/beira_do_rio.htm


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)