20/02/2007

Como d'antes



Sinto seu olhar vazio
No tempo, na sala, nesse curto espaço sombrio.

Sinto suas mãos paradas e semi-postas
Outrora perdidas e achadas em minhas voltas.

Sinto seu sorriso longe do meu
E a dor sufocar esse peito ainda seu.

Sinto sua voz me confessar
Os contratempos da seca, da neve ou do mar.

Sinto sua alma eqüidistante
E o corpo coberto por véu quase espumante.

Sinto cada passo seu flutuante
Como se os meus fossem secretos, ora obstantes.

Sinto! Nada me é mais importante:
Do que receber-lhe, aurora, como d'antes.


01/02/2007

Somente às vezes


Às vezes penso que sou ar,
outras, água.
Horas bem devagar
presa a terra, e sem asas,
me ponho a voar.

Às vezes não quero voltar
E finjo ser o que não sou
Por que é triste ser navegador
sem barco certo e vento a favor.




Às vezes sou apenas nada
e, sem nada, sigo o meu caminho.
Às vezes sou uma triste toada
perdida na mata, solada, do sozinho.

Às vezes sou chuva
E me enfeito com adereços de flor.
Mas também sou seca
E me sirvo de vã beleza

nascida da dor.

Às vezes sou interrogação
ou previsível e água-mole e vulcão.
Segredo, unidade, segregação:
Pavio curto e leite derramado
no bolso escancarado de um velho blusão.


Às vezes, somente, às vezes...


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)