Ela era um pouco dada à distração: sonhadora! Dedicava-se à arte, música, literatura. Apreciava os poetas simbolistas...
Ele era pragmático, metódico, civilizado... Tão racional e categórico que não olhava, ao céu, senão para contar estrelas!
Mas eles se complementavam.
Havia amor entre eles.
E eles se contemplavam como querendo enxergar o eu no outro.
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Há muitas formas de amar. Uma delas se realiza pelo olhar.
No princípio, eles não precisavam de satisfações carnais: beijos, abraços, carícias sensuais... Bastavam-lhes a urgência e a intensidade do olhar.
Mas, os dias foram passando e a cobiça da paixão fora lhes dominando. O anseio fizera com que eles passassem a se estranhar. O que antes consistia pura contemplação fora se transformando, gradativamente, em possessão:
Ela o queria. Ele a ambicionava – um só sentimento em maneiras distintas.
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Porém, toda vez que estavam prestes a se entregarem à insensatez, algo lhes acontecia.
Certo dia, ela embevecida - por tantas letras, canções e asas partidas - lhe escrevera a fim de fazer-lhe ir ao seu encontro.
Ele recebera a escrita tão entusiasmado que até perdera, no percurso, o salto; só para a Lua poder alcançar. Mas, quando ela recebera a resposta já não se encontrava ao seu livre alcance... E não havia mais como retroceder, não havia como de seu Planeta descer!...
O fato é que ela passou muitas luas envolvida àquela mensagem: sonhando, sonhando, sonhando... Ali, enfim, ela tivera certeza da reciprocidade do amor. Entretanto, jamais ela pudera lhe falar sobre a sua impossibilidade de vôo...
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Ele, decepcionado, acreditou que tudo não passava de uma vã brincadeira; jogo de criança mimada.
Ela, ansiosa, fora vendo seu amor se desfazer e, na sua loucura, perdera o equilíbrio e o domínio das ações...
Então, ele deixara de buscar o seu olhar, pois duvidava, duvidava, duvidava...
Ela ainda quis fazer-lhe reconsiderar, mas era tarde demais.
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Como demente ela passou a se comportar, tentando-o ao ciúme. Não que ela aspirasse qualquer outra experiência. Ela só almejava ter de volta o seu amor e o forte sentimento de amizade que, outrora, os uniam. Mas foi aí que ele passou, cada vez mais, a duvidar, duvidar, duvidar...
Ele ficou mudo. Ela entristeceu.
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Não há Natal, Ano Novo ou data de aniversário que ela não o recorde. Durante anos fizera questão de lhe enviar expressões de afeto. Contudo, seu silêncio grita tanto em seus ouvidos que ela também passou a desconfiar, desconfiar, desconfiar...
Ela ainda o ama - não há dúvidas sobre isso! - já que não há um só dia que, dele, se esqueça, embora já não veja a cor do seu olhar.
Hoje seu coração só guarda saudades. Por isso, ela, também, emudeceu!...