18/10/2009

Jardim Esperança


Para acompanhar leitura

Linda rosa: Maria Gadú



Rosa vinha de mau relacionamento, mas seu coração cultivava jardim de esperanças.

No espelho da mãe, costumava observar as formas de seu corpo e, enquanto absorvia o reflexo da imagem transfigurada, lhe inquietava o espírito a responsabilidade de prover, sozinha, os dois filhos. Porém, a moça era extremamente otimista, beirava a flor dos vinte; e acreditava, fervorosamente, em manhãs frutíferas.

Certo dia, Rosa conhece um rapaz que, novamente, faz seu peito acelerar: sonhos cor-de-rosa passam a alimentar a sua retina. O moço, sério e prestativo, possuindo quase vinte anos a mais, se apresentara bem intencionado; nomeando-se qualificado e disposto a contrair família. Rosa não exitou! Com o consentimento familiar, foi-se com o distinto enamorado, levando consigo seus dois maiores tesouros.

Dias passam, Rosa acredita piamente na felicidade conjugal. Entretanto, passados cinco anos ou pouco mais, a moça começa a perceber pequenas alterações no temperamento do companheiro. Apesar de ele garantir-lhe que nada além do habitual lhe acometia, Rosa intuía que o marido deleitava prazeres mundanos... Pequenas mostras de traição confirmavam as suas suspeitas.

Pouco a pouco, Rosa foi vendo os sonhos cor-de-rosa se dissolverem em cinza aquarela. Porém, como detinha coração verdejante, reconhece que chegara a hora de virar mais uma página da sua história. Certa de sua escolha, reuni os filhos, colocando-os a par da situação. Como era de se esperar, os pequenos se puseram favoráveis à mãe, ofertando-lhe sincera afeição e solidariedade.

Quando a noite chega, Rosa foi-se ter com o marido. Ao declarar a sua decisão, o companheiro apresenta comportamento totalmente inesperado. Enfurecido, alega que Rosa deveria manter amante, mas que não deixaria o delito sem a devida punição. Batendo-lhe várias vezes a face, argumenta que se Rosa não lhe pertencesse, jamais seria de outro... e sucedia com os atos de violência mesmo sob os protestos dos filhos que, em vão, espancavam a porta do quarto na tentativa de acudir a mãe.

Subitamente, gritos e gemidos cessam-se e o silêncio impera na casa. No alvorecer do dia, os meninos, estranhando a ausência da mãe, pedem auxílio à vizinhança. Um senhor bastante chegado à família, prontifica-se à tarefa de verificar o casal. Ao invadir o quarto, se depara com a frieza do cenário: Rosa, inteiramente vestida de vermelho, descansava sob os braços do marido que, dormindo, guardava, em uma das mãos, punhal dourado.

Rosa vinha de bom relacionamento... descansa, hoje, no Jardim Esperança.




Nota: Personagem feminina inspirada na canção Linda Rosa, interpretada pela cantora Maria Gadú. Texto baseado, lamentavelmente, em crime ocorrido durante esta semana na cidade de Caicó-RN. As características psicológicas das personagens e situações narradas envolvendo o crime, entretanto, são ficcionais. O crime deixou-me emocionalmente chocada e abalada. Não podemos admitir barbárie, atitudes reacionárias que rebaixem ou silenciem as mulheres, mesmo que "disfarçadas" sob os signos "honra" ou "amor"...


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)