A solidão me faz fabricar segredos, sussurros ao pé do ouvido, e, no interdito alimento o meu desejo. A solidão me faz chover e molhar a seda na mata escondida, faz-me buscar-te no espelho que é essa máquina fantástica e maldita.
Faço da minha palavra a minha arma: a bomba-relógio, o vinho, o ópio; não por pretensão filosófica, ideológica, religiosa..., mas, por uma contemplação poética, diria que provérbica, da minha - da minha tão somente minha -, existência.
Faço da minha dor beleza, até porque, mesmo na tragédia, há uma dose de beleza. Então contemplo a minha abstração, transfiguro o real e aprecio a flor estampada na minha solidão. Às vezes, disperso-me e sinto-me tão ausente e tão plena, que nem eu mesma sei onde estou (e para onde vou), “sei que canto e a canção é tudo, tem sangue eterno e a asa ritmada. Um dia sei que estarei mudo: mais nada[1]”.
E o meu canto é doce, tão doce que voam ao meu derredor borboletas de várias cores, formas e espécies. E elas tentam, a todo custo, desnudar a minha face coberta de neve. Fico pensando se um dia elas retirarem os véus que me encobrem o rosto, o que serei aos teus olhos depois do exposto? O que se passará quando meus pés deixarem de tocar as nuvens e puserem ao chão? Certamente me acharás e me verás em minha solidão.
Ah..., mas quando esse dia chegar, não penses que saberás tudo de mim! Pois, não tenho o hábito de me deixar abrir. Vivo numa caixinha mágica; dentro, tudo posso, tudo me é permitido sonhar. Em meus sonhos, posso ir ao teu encontro e narrar-te uma noite e meia de contos e mais contos. Contos das mil e uma noites, histórias de fadas, heróis, vilões... temperadas por dores, amores e contenções.
Ah..., não queiras me conhecer, não me desejes à previsibilidade. Para que a notoriedade se a noite vem e cobre o instante de verdade?
Queiras tão somente me sentir e beber fugazmente. Sem deixar marcas na taça, sem repetir as minhas, várias e tardias, falas. Não queiras ser a ninfa que anseia desesperada por uma fala a Narciso. Não queiras me tomar e me encher os ouvidos, porque não preciso de tua voz, não preciso de teu eco, não preciso de teu remédio. Queiras tão somente a minha momentânea loucura; nela, poderei ser tua. Queiras a minha inverdade: a fantasia, o caos, a incompatibilidade.
Quando assim me quiseres, encontrar-me-ás nas nuvens, inteiramente coberta por véus multicolores. Então, nesse dia, poderás me tirar a seda azul que me envolve a maçã e a cinza fumaça que me encobre a manhã. Mas, nem mesmo assim me acharás. Para que me desnudar se a verdade está nas borboletas que insistem em te buscar[2]?
Notas:
[1] Cecília Meireles: Motivo, in: Viagem, 1939.
[2] Prosa-poética pertinente ao livro Agá-Efe: entre ruínas & quimeras (FERNANDES, Hercília, 2006, p. 21).